Igreja inicia hoje escolha do novo papa em conclave global e decisivo

Pela primeira vez com cardeais de mais de 70 países, votação para novo papa reflete globalização promovida por Francisco e expõe encruzilhada entre avanço das reformas e retomada conservadora.

Membros do clero participam da missa pelos funcionários do Vaticano, após o funeral do Papa Francisco, na Praça de São Pedro, no Vaticano, em 27 de abril de 2025Imagem: Amanda Perobelli/REUTERS

Quando os 133 cardeais atravessarem o saguão que leva à Capela Sistina, onde se encontra o afresco do Juízo Final de Michelangelo, um dos maiores ícones do cristianismo, estarão dando início ao conclave mais global e diverso da história da Igreja Católica. Ali, sob o rigoroso silêncio e o peso da tradição, os religiosos vestindo batinas idênticas clamarão em latim pela presença do Espírito Santo para guiá-los na escolha do próximo papa. Apesar da uniformidade do rito, cada cardeal carrega uma trajetória profundamente distinta, espelho da revolução silenciosa promovida por Francisco ao longo de seu pontificado.

Pela primeira vez em mais de dois mil anos de história, representantes de mais de 70 países estarão aptos a votar. Isso é resultado direto da estratégia do papa argentino de nomear cardeais oriundos do chamado “fim do mundo”, como ele próprio descreveu sua terra natal no momento em que foi escolhido em 2013. Francisco nomeou cerca de 80% dos atuais eleitores, ampliando o alcance geográfico do Colégio de Cardeais como forma de manter vivas as reformas que empreendeu e tentar conter a evasão de fiéis.

“Na Europa, o cristianismo está nas pedras das catedrais. Nos países em desenvolvimento, ele está na alma das pessoas”, afirmou um cardeal latino-americano, sob condição de anonimato, pouco antes do início do conclave. Segundo ele, Francisco sempre soube que a força da Igreja moderna reside nas regiões mais periféricas do globo — e por isso decidiu fortalecer sua representatividade no alto clero.

Ao longo dos séculos, a cúpula da Igreja sempre foi majoritariamente europeia. Dos 266 papas da história, 217 foram italianos. Até o século XX, o Colégio de Cardeais era praticamente uma instituição europeia. Em 1823, mais de 80% dos cardeais votantes eram italianos. Em 1903, um norte-americano rompeu esse domínio. Já em 1939, os italianos ainda representavam metade do colégio. Em 1963, os cardeais vinham de apenas 29 países. Esse número saltou para 50 em 1978 e para 52 em 2005, quando Bento XVI foi eleito. Em 2013, na eleição de Francisco, os cardeais vinham de 48 países.

Agora, são 133 cardeais de 73 nações. A Europa ainda é o continente mais representado, com 53 eleitores, mas a Ásia tem 23, a África 18, a América do Sul 17 e a América do Norte 16. Há 17 cardeais italianos, contra apenas sete brasileiros. Mas pela primeira vez, nações como Haiti, Tonga, Papua Nova Guiné, Malásia e Mongólia também têm voz na escolha do pontífice.

Esse novo panorama, no entanto, não garante que o próximo papa será de fora da Europa. A esperança de Francisco e de seus aliados é que, mesmo se for um europeu, o eleito tenha uma visão moldada pela convivência e diálogo com realidades globais distintas.

Cardeais que participaram das reuniões preparatórias confidenciaram que o nome mais provável será aquele capaz de unir diferentes alas da Igreja, preservando os avanços do atual pontificado sem causar rupturas internas. A tarefa não é simples. A Igreja enfrenta sérios desafios: crise financeira, perda de fiéis, escândalos de abuso sexual ainda sem solução definitiva, um papel internacional diminuído e crescente pressão por maior inclusão das mulheres.

Nos dez dias anteriores ao início oficial do conclave, os bastidores do Vaticano foram palco de articulações intensas para formação de blocos e candidaturas. O objetivo: evitar que a votação gere um cisma na instituição milenar. Um dos temores é de que setores mais conservadores tentem reverter mudanças impulsionadas por Francisco, como a descentralização do poder, o fortalecimento das igrejas locais e a abertura para temas antes considerados tabu.

Ainda assim, a composição atual do colégio indica que a globalização da Igreja é um caminho sem volta. A escolha que se inicia dentro da Capela Sistina pode marcar a consolidação definitiva desse novo tempo — ou representar um recuo estratégico diante das pressões internas.

Como afirmou um cardeal instantes antes de se recolher ao isolamento exigido pelo protocolo: “Este conclave traz a esperança de levar a Igreja para o século 21”.

Imagem: Arte/UOL

Fonte: UOL

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