Denúncias expõem conteúdos que sexualizam crianças; governo e Congresso articulam leis para responsabilizar plataformas e proteger a infância.
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Foto: Bruno Peres/Agência Brasil |
O debate sobre o uso das redes sociais por crianças e adolescentes e a circulação de conteúdos que exploram suas imagens ganhou grande repercussão após denúncias feitas pelo influenciador Felca Bress. Ele expôs perfis com milhões de seguidores que publicam vídeos de menores de idade usando pouca roupa, dançando músicas de teor sexual ou abordando temas impróprios para a idade. O mais grave, segundo Felca, é que os algoritmos das próprias plataformas ajudam a impulsionar esse tipo de conteúdo, ampliando o alcance e gerando lucro tanto para quem o divulga quanto para as empresas de tecnologia.
Diante da repercussão, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciou que enviará ao Congresso Nacional, nesta quarta-feira (13), uma proposta de regulamentação das redes sociais. Especialistas ouvidos pela Agência Brasil apontam que a ausência de regras claras permite que as plataformas incentivem uma exposição cada vez maior da vida pessoal dos usuários — inclusive de crianças — sem assumir responsabilidade pelos riscos e crimes que podem surgir nesse ambiente.
Rodrigo Nejm, psicólogo e especialista em educação digital do Instituto Alana, afirma que “explorar a infância adultizada, sexualizada e exposta sem nenhum tipo de cuidado não é aceitável como modelo de negócio”. Ele defende que as empresas tenham limites claros sobre o que pode ser explorado comercialmente, e reforça que nenhuma família ou empresa de tecnologia tem o direito de lucrar com a imagem de crianças e adolescentes, já que o Estatuto da Criança e do Adolescente proíbe esse tipo de prática.
Para Débora Salles, coordenadora-geral de pesquisa do Netlab/UFRJ, a regulação é necessária para proteger toda a população, e não apenas menores de idade. “As plataformas têm capacidade técnica para moderar conteúdos prejudiciais, mas pouco fazem porque não são obrigadas”, afirma.
A pressão resultou na decisão do Colégio de Líderes da Câmara dos Deputados de criar um grupo de trabalho para elaborar, em até 30 dias, um projeto de lei que combata a “adultização” de crianças e adolescentes nas redes. Uma das propostas que servirá de base é o PL 2.628/2022, do senador Alessandro Vieira (MDB-SE), que exige a criação de mecanismos para impedir a divulgação de conteúdos que erotizem menores e prevê multas de até 10% do faturamento das plataformas em caso de descumprimento. O projeto já foi aprovado no Senado e aguarda análise da Câmara.
A Sociedade Brasileira de Pediatria pediu urgência na aprovação da medida. Dados do Cetic.br indicam que 93% dos brasileiros entre 9 e 17 anos utilizam a internet — o equivalente a 24,5 milhões de pessoas — e que 83% deles possuem perfil próprio nas redes sociais. Além disso, 30% relataram já ter tido contato online com desconhecidos.
A “adultização” não se limita à erotização: inclui expor menores a padrões estéticos inatingíveis, responsabilidades e pressões típicas da vida adulta. Isso pode gerar frustração, baixa autoestima, problemas psicológicos e físicos, além de deixá-los vulneráveis a criminosos. Casos como o de influenciadores mirins que dão dicas financeiras ou participam de campanhas publicitárias complexas também são exemplos de antecipação indevida de comportamentos adultos.
O psicólogo Tiago Giacometti alerta que crianças expostas precocemente a julgamentos e padrões das redes podem carregar impactos para a vida adulta, afetando sua qualidade de vida e suas interações sociais. Já Débora Salles lembra que conteúdos aparentemente inofensivos — como fotos de crianças nadando ou brincando — podem ser capturados e usados em redes de pedofilia.
A orientação dos especialistas é clara: crianças e adolescentes não devem acessar redes sociais sem supervisão constante, e pais precisam ter consciência de que esses ambientes não são seguros. “Assim como não deixamos uma criança sozinha numa praça, não devemos deixá-la sozinha nas redes sociais”, reforça Débora.
Fonte: Agência Brasil