Conselho Federal da OAB conclui que PL do aborto é inconstitucional, inconvencional e ilegal

Reunião do Conselho Federal da OAB - Foto: OAB Nacional

O Conselho Pleno do CFOAB aprovou, por aclamação, a inconstitucionalidade do Projeto de Lei (PL) 1904/2024, que equipara o aborto realizado após 22 semanas de gestação ao crime de homicídio simples, inclusive nos casos de gravidez resultante de estupro. O parecer técnico-jurídico da comissão criada pela Portaria 223/2024 foi apresentado e votado nesta segunda-feira (17/6) pelos 81 conselheiros federais.

O presidente nacional da OAB, Beto Simonetti, destacou que a decisão da Ordem foi baseada exclusivamente em critérios técnicos, do ponto de vista jurídico, sem influências religiosas ou ideológicas. O texto será encaminhado à Câmara dos Deputados. "A OAB entregará esse parecer, aprovado por seu plenário, como uma contribuição à Câmara dos Deputados, instituição na qual confiamos para apreciar e decidir sobre este e qualquer outro assunto. Agradeço ao presidente da Câmara, Arthur Lira, pela disponibilidade em ouvir e receber as contribuições da advocacia nacional. Sob sua condução, a decisão da Câmara certamente será tomada de modo consistente", disse.

Beto Simonetti anunciou ainda que Arthur Lira está disposto ao diálogo. "Reconhecendo o papel fundamental que a Ordem exerce na sociedade brasileira como líder da sociedade civil, ele está preparado para receber o resultado da votação e construir uma solução para esse PL, ouvindo a OAB", afirmou. Ele reiterou a importância do diálogo honesto e direto que a Ordem mantém com os poderes ao longo do tempo.

O parecer também solicita o arquivamento da proposta e a comunicação do documento às presidências da Câmara e do Senado Federal. “A criminalização pretendida configura gravíssima violação aos direitos humanos de mulheres e meninas duramente conquistados ao longo da história, atentando flagrantemente contra valores do estado democrático de direito e violando preceitos da Constituição de 1988 e dos Tratados e Convenções internacionais de Direitos Humanos ratificados pelo Brasil”, destaca o relatório.

Teor técnico-jurídico

Assinam o parecer as conselheiras federais Silvia Virginia de Souza, presidente da Comissão Nacional de Direitos Humanos (CNDH); Ana Cláudia Pirajá Bandeira, presidente da Comissão Especial de Direito da Saúde; Aurilene Uchôa de Brito, vice-presidente da Comissão Especial de Estudo do Direito Penal; Katianne Wirna Rodrigues Cruz Aragão, ouvidora-adjunta; Helsínquia Albuquerque dos Santos, presidente da Comissão Especial de Direito Processual Penal; e Cristiane Damasceno, presidente da Comissão Nacional da Mulher Advogada.

Silvia Souza, ao apresentar o documento com as demais integrantes da comissão, explicou que a análise técnico-jurídica abordou o direito à saúde, o Direito Penal e o Direito Internacional dos direitos humanos, considerando aspectos constitucionais, penais e criminológicos do texto. O posicionamento do grupo não se confunde com uma posição contra ou a favor da descriminalização do aborto.

“Tendo em vista que a proposta padece de inconvencionalidade, inconstitucionalidade e ilegalidade, manifestamo-nos pelo total rechaço e repúdio ao referido projeto de lei, pugnando pelo seu arquivamento, bem como a qualquer proposta legislativa que limite a norma penal permissiva vigente, haja vista que a criminalização pretendida configura gravíssima violação aos direitos humanos de mulheres e meninas duramente conquistados ao longo da história, atentando flagrantemente contra valores do Estado Democrático de Direito e violando preceitos da Constituição de 1988 e dos tratados e convenções internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil”, declarou Silvia Souza.

A comissão sugere que, caso a proposta legislativa avance e resulte na criação de nova lei, o tema seja submetido ao Supremo Tribunal Federal (STF) por meio de ação de controle de constitucionalidade, a fim de reparar possíveis danos aos direitos de meninas e mulheres.

Inconstitucionalidade

A análise da comissão, submetida ao Plenário do CFOAB, concluiu que o PL 1904/2024 é inconstitucional. Ao equiparar o aborto a homicídio, mesmo dentro das exceções legais, o texto afronta princípios constitucionais fundamentais, como a dignidade da pessoa humana, a solidariedade familiar e o melhor interesse da criança. Além disso, a proposta viola os direitos das meninas e mulheres, impondo-lhes ônus desproporcional e desumano.

A comissão entende que a mulher não pode ser culpada pelo aborto nos casos já permitidos em lei, pois isso representaria um retrocesso significativo. A solução para os desafios associados ao aborto não reside na criminalização da mulher, mas sim na obrigação do Estado e das instituições de protegê-la contra crimes de estupro e assédio. É necessário implementar políticas públicas robustas que garantam educação, segurança, atendimento médico adequado e medidas preventivas. No Brasil, mais de 80% das vítimas de aborto são crianças indefesas, violentadas e obrigadas a recorrer ao aborto.

As integrantes da comissão ressaltam a importância do planejamento familiar e da preparação dos hospitais públicos para acolher essas mulheres. “Existe uma disparidade imensa de acesso ao planejamento familiar no mundo e no Brasil não é diferente. A falta de informação e educação sexual, a utilização de métodos contraceptivos pouco efetivos como as tabelinhas, a dificuldade de acesso a métodos contraceptivos de longa duração e a falta de acesso aos programas de planejamento familiar pelo SUS levam ao aumento de gestações indesejadas e à violência contra mulheres, jovens, adolescentes e crianças”, destaca o parecer.

“O texto grosseiro e desconexo da realidade expresso no PL 1904/2024, que equipara o aborto de gestação acima de 22 semanas ao homicídio, denota o completo distanciamento de seus propositores das fissuras sociais do Brasil, além de ignorar aspectos psicológicos, particularidades orgânicas sobre a fisiologia corporal da menor vítima de estupro, a saúde clínica da mulher que corre risco de vida ao prosseguir com a gestação e a saúde mental das mulheres que carregam um anencéfalo. Todo o avanço histórico consagrado através de anos de pleitos e manifestações populares e femininas para a implementação da perspectiva de gênero na aplicação dos princípios constitucionais é suplantado por uma linguagem punitiva, depreciativa, despida de empatia e humanidade, cruel e, indubitavelmente, inconstitucional”, destaca a comissão.

“É imperativo para a OAB o compromisso com a defesa da Constituição, da ordem jurídica do Estado Democrático de Direito, dos direitos humanos e da justiça social, conforme preceitua o art. 44, inciso I da Lei Federal 8.906/1994 (Estatuto da OAB). O legislador constituinte considerou o/a advogado/a indispensável para a administração da justiça (art. 133 da CF), dada sua importância no desenvolvimento e formação do Brasil. Portanto, a manifestação da OAB diante do projeto de lei que propõe a criminalização de meninas e mulheres em caso de aborto após a 22ª semana, nas hipóteses já permitidas em lei, é necessária”, afirma o parecer.

Ao finalizar a sessão, o presidente Beto Simonetti frisou a importância do dia para sua gestão. "O que sairá daqui hoje não é uma mera opinião, é uma posição da Ordem forte, firme, serena e responsável. E a partir dela, continuaremos lutando no Congresso Nacional, por meio de diálogo, bancando e patrocinando nossa posição, hoje certamente firmada."

Leia o parecer na íntegra

Com informações do CFOAB

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