Investigação sobre desvios em benefícios foi arquivada na época, mas denúncia antecipava fraude que derrubou presidente do INSS e ministro da Previdência
![]() |
Foto: Jornal Nacional/ Reprodução |
Cinco anos antes da operação que expôs um bilionário esquema de descontos ilegais em benefícios do INSS, um servidor da direção central do instituto já havia feito um alerta formal à Polícia Federal. Em setembro de 2020, após sofrer ameaças de morte, ele denunciou o aumento anormal de filiações à Conafer (Confederação Nacional de Agricultores Familiares e Empreendedores Familiares Rurais), responsável por milhões em descontos de mensalidades associativas não autorizadas em aposentadorias e pensões.
Segundo o servidor, que falou sob anonimato ao Jornal Nacional, o número de beneficiários vinculados à Conafer saltou de 80 mil em janeiro para mais de 250 mil em outubro de 2020, mesmo com o convênio da entidade com o INSS suspenso naquele mês. Ainda assim, a confederação foi reabilitada logo depois, em decisão assinada pelo então diretor de atendimento, Jobson de Paiva Sales, homenageado pela própria entidade.
A denúncia resultou em inquérito da Polícia Federal que foi arquivado em 2024 sem indiciamentos. O servidor ainda foi chamado pela Polícia Civil em 2021, que também apurava o caso após queixas de aposentados, mas a disputa de competência travou os avanços até a deflagração da operação federal em abril de 2025.
Fraude milionária e contratos questionáveis
Um relatório da Controladoria-Geral da União (CGU) mostrou que os valores recebidos pela Conafer explodiram: de R$ 400 mil em 2019 para R$ 202 milhões em 2023. A entidade liderou o crescimento de descontos associativos no período. A investigação da Polícia Federal aponta que os valores foram utilizados, entre outros fins, para aquisição de imóveis por dirigentes da Conafer, incluindo uma fazenda avaliada em R$ 3 milhões.
O presidente da entidade, Carlos Roberto Ferreira Lopes, assinou documentos tanto como dirigente da Conafer quanto como funcionário, incluindo um termo de confidencialidade sobre os próprios rendimentos. Em depoimento, atribuiu à Dataprev a responsabilidade pelas inserções indevidas nos benefícios — uma alegação ainda sob apuração.
Omissões e reestruturação contestada
Em 2020, o então presidente do INSS, Leonardo Rolim, transferiu da Diretoria de Benefícios para a de Atendimento a atribuição de fiscalizar os convênios com entidades associativas — o que, segundo críticos, abriu brecha para o retorno da Conafer. À imprensa, Rolim afirmou que a mudança ocorreu no contexto de uma reestruturação administrativa e que deixou o cargo em outubro de 2021, sem saber o que ocorreu com os contratos a partir de então.
Operação e consequências
A operação federal de abril de 2025 culminou no afastamento de Rolim, já ex-presidente, e na queda do então ministro da Previdência, Wolney Queiroz, em meio à pressão política e à revelação do esquema. Mandados de busca e apreensão foram cumpridos em cidades como Presidente Prudente (SP), onde Cícero Santos e Ingrid Morais Santos foram apontados como operadores de um esquema de lavagem de dinheiro ligado à confederação. Eles teriam repassado valores para empresas e contas de Carlos Roberto.
A defesa do casal não quis se manifestar. A reportagem também não obteve resposta da Conafer nem de Jobson de Paiva.
O caso escancara a fragilidade dos mecanismos de controle no INSS e a omissão de autoridades diante de alertas precoces, que poderiam ter evitado uma das maiores fraudes contra aposentados já registradas no país.
Fonte: G1