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Bairro da Gávea e Favela da Rocinha, no Rio; tributação focada em consumo faz com que mais pobres paguem proporcionamente mais impostos que super-ricos — Foto: Custodio Coimbra/Agência O Globo |
Enquanto o topo da pirâmide econômica brasileira concentra trilhões em renda, os mais pobres continuam pagando a maior fatia de impostos. Um novo estudo da Oxfam Brasil revela que os 10% mais pobres do país comprometem 32% da sua renda com tributos, enquanto o 0,1% mais rico paga apenas 10%. A distorção escancara uma estrutura regressiva, que sobrecarrega quem menos tem e favorece os super-ricos — majoritariamente homens brancos.
O relatório, intitulado “Arqueologia da Regressividade Tributária no Brasil”, será apresentado nesta quinta-feira (10) à Frente Parlamentar Mista pelo Combate às Desigualdades, na Câmara dos Deputados. Ele aponta como o modelo atual penaliza principalmente mulheres negras, que lideram a maioria dos lares de baixa renda no país.
Segundo a Oxfam, a principal causa dessa desigualdade está na estrutura do sistema tributário nacional, que depende majoritariamente de impostos sobre o consumo. Como as famílias pobres gastam quase toda sua renda com bens essenciais, são proporcionalmente mais afetadas.
“Em média, 70% da renda de uma pessoa pobre vai para consumo. Então, essa pessoa acaba pagando proporcionalmente muito mais imposto do que os mais ricos”, explica Viviana Santiago, diretora-executiva da Oxfam Brasil.
Super-ricos: ricos demais, tributados de menos
O relatório mostra que o 0,15% mais rico da população brasileira detém R$ 1,1 trilhão em renda — mais do que a metade inferior da população somada. Desses super-ricos, 81% são homens brancos. Apenas 20% são negros ou pardos.
Enquanto isso, 65% dos lares mais pobres são chefiados por mulheres negras, grupo que arca com a maior carga tributária relativa.
A Oxfam também expõe que, enquanto os países da OCDE arrecadam, em média, 9,7% do PIB com impostos indiretos (consumo), o Brasil chega a 14,8%. Já sobre propriedade, o país arrecada apenas 1,5% do PIB, contra 2,4% da média da OCDE.
Além disso, os impostos sobre salários e lucros de capital no Brasil equivalem a 3% do PIB, enquanto nos países desenvolvidos esse número alcança 9%.
Recorte racial: tributação desigual e invisibilidade
A desigualdade tributária também tem cor. Entre famílias chefiadas por pessoas negras, a carga indireta média chega a 10,8% da renda, enquanto entre brancos fica em 9,7%.
A Oxfam aponta que o sistema “perpetua a exclusão social da população negra” e defende mudanças estruturais para torná-lo mais progressivo e justo. Entre as propostas:
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Fim da isenção sobre lucros e dividendos
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Criação de um Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF)
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Inclusão de marcadores raciais nas declarações do IR, para embasar políticas públicas mais justas
Reforma do Imposto de Renda em debate
A divulgação do relatório acontece em meio ao debate sobre o Projeto de Lei 1087/2025, relatado por Arthur Lira (PP-AL), que isenta de IR quem ganha até R$ 5 mil mensais e cria uma alíquota mínima de 10% para quem recebe acima de R$ 50 mil.
Segundo o governo, essa proposta beneficiaria cerca de 10 milhões de brasileiros, enquanto apenas 141 mil pessoas seriam atingidas pelo novo tributo — a maioria homens brancos. Já entre os isentos, 44% seriam negros e 41% mulheres.
“O sistema tributário brasileiro não só mantém, como alimenta a reprodução das desigualdades. E essas desigualdades têm raça e têm gênero”, reforça Viviana Santiago.
A Oxfam Brasil conclui que o momento é decisivo para corrigir injustiças históricas. A adoção de uma reforma tributária progressiva pode se tornar um divisor de águas na luta contra a desigualdade no Brasil.
Fonte: O Globo