Governo quer reduzir custos e formalizar motoristas; proposta deve ser implementada por resolução do Contran
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Proposta de Lula para baratear a CNH também foi ideia de Bolsonaro e Kim Kataguiri - Imagem: Divulgação |
O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) anunciou que pretende acabar com a obrigatoriedade de frequentar autoescola para tirar a Carteira Nacional de Habilitação (CNH). A proposta, elaborada pela Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran) e colocada em consulta pública pelo Contran (Conselho Nacional de Trânsito), visa reduzir o custo do processo, simplificar o acesso à habilitação e formalizar milhões de motoristas e motociclistas que hoje dirigem sem carteira.
O ponto curioso é que a CNH sem autoescola foi uma das bandeiras defendidas durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) — hoje adversário político de Lula —, mas que não chegou a sair do papel. A diferença é que, agora, o governo petista pretende realizar a mudança por meio de uma resolução administrativa do Contran, sem precisar alterar o Código de Trânsito Brasileiro (CTB) nem depender de aprovação do Congresso Nacional.
De acordo com o secretário nacional de trânsito, Adrualdo Catão, o objetivo da proposta é tornar o processo mais acessível para a população e abrir o mercado de ensino de direção, permitindo que o cidadão escolha entre autoescolas tradicionais ou instrutores autônomos credenciados.
“Hoje, o custo médio da habilitação é de R$ 3 mil a R$ 4 mil — um valor proibitivo para grande parte da população. Nossa proposta é simples: dar acesso e cobrar desempenho. Quem souber dirigir, passa; quem não souber, faz o curso”, explicou Catão.
Com a mudança, o governo estima que o custo da CNH possa cair para uma média entre R$ 750 e R$ 1 mil, já que o candidato poderá decidir quantas aulas contratar.
Como deve funcionar o novo modelo
Pelo texto em análise, o curso teórico continuará obrigatório, mas o candidato poderá escolher entre três modalidades:
As provas teórica e prática também passarão por ajustes. A avaliação final deverá ocorrer em vias públicas, e o atual sistema de “faltas eliminatórias” será substituído por uma pontuação gradual, o que, segundo a Senatran, tornará o exame mais técnico e menos punitivo.
Autoescolas reagem com críticas
A proposta foi recebida com resistência pelas autoescolas. A Feneauto (Federação Nacional das Autoescolas), que representa o setor, afirma que o novo modelo pode precarizar o processo de formação e até encarecer o serviço.
“Não é flexibilização, é substituição”, declarou o presidente da entidade, Ygor Valença. “Uma aula em autoescola custa cerca de R$ 70. Já um motorista de aplicativo, que poderá dar aulas como instrutor autônomo, cobra até R$ 120 por hora. Isso pode acabar mais caro e com menos qualidade”, argumentou.
O secretário Adrualdo Catão rebateu as críticas, afirmando que o governo não pretende eliminar as autoescolas, mas dar liberdade de escolha ao cidadão.
“A proposta só é ruim para quem depende de reserva de mercado. Em vários países, não há obrigatoriedade e as escolas funcionam bem. O cidadão deve poder escolher: quer aprender numa autoescola ou com um instrutor autônomo?”, disse.
Consulta pública e próximos passos
A proposta ficará disponível por 30 dias no portal Participa + Brasil, onde qualquer cidadão poderá enviar sugestões. Depois, o texto será avaliado pelo Contran, que reúne representantes de órgãos estaduais e municipais de trânsito.
Com o aval direto do presidente Lula, a Senatran acredita que o novo modelo entrará em vigor ainda em 2025, marcando uma das mudanças mais significativas na política de trânsito dos últimos anos.
De Bolsonaro a Lula: convergências políticas
Embora pertençam a espectros políticos opostos, Lula e Bolsonaro convergem em alguns pontos da política de trânsito. A proposta da CNH sem autoescola foi uma das bandeiras do ex-presidente em 2019, quando ele também defendeu o aumento da validade da carteira para 10 anos, a ampliação do limite de pontos e o fim dos simuladores — medidas que chegaram a ser aprovadas parcialmente pelo Congresso.
Agora, sob o governo Lula, o mesmo tema ressurge com apoio técnico e institucional. O Executivo acredita que a medida pode legalizar até 20 milhões de motoristas irregulares, reduzir custos sociais e estimular a formalização profissional de instrutores autônomos.
Para especialistas, o movimento também representa uma mudança simbólica: um tema antes associado ao discurso bolsonarista ganha viabilidade política sob uma gestão de esquerda, mostrando que, em certas agendas, a convergência pragmática pode se sobrepor à rivalidade ideológica.
Fonte: UOL