Pediatras e psicólogos alertam que excesso de telas tem causado ansiedade, déficit de atenção e desconexão entre pais e filhos
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Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil |
O avanço da tecnologia transformou o modo como vivemos — e também como as crianças crescem. Em um mundo hiperconectado, a infância está cada vez mais distante do quintal, da rua e das brincadeiras ao ar livre, sendo substituída por telas e dispositivos eletrônicos. Para médicos e psicólogos, o alerta é urgente: é preciso resgatar o brincar, o convívio familiar e o contato com a natureza como parte essencial da formação emocional e cognitiva das crianças.
“Os pais também estão presos às telas”, alerta pediatra
Com 29 anos de prática, a pediatra Renata Aniceto, membro da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), relata que o uso precoce e prolongado de celulares e tablets tem provocado mudanças profundas no comportamento infantil.
“Houve uma desconexão entre pais e filhos. Ambos passam muito tempo em tela. Chegam ao consultório mais casos de ansiedade e depressão infantil, problemas que nem faziam parte da nossa formação pediátrica há alguns anos”, afirma a médica.
Renata destaca que em suas consultas já prescreve tempo de convivência entre pais e filhos — e não apenas remédios ou vacinas.
“Peço que brinquem juntos, cozinhem, façam jogos de tabuleiro. Essa geração de pais já não sabe mais brincar, porque também cresceu conectada às telas”, diz.
A médica reforça que o uso excessivo de telas afeta o desenvolvimento cerebral, especialmente em crianças pequenas.
“O excesso de estímulos digitais prejudica o foco, a memória, a atenção e a capacidade de resolver problemas. Além disso, a falta de movimento físico contribui para o aumento da obesidade infantil”, alerta.
A Sociedade Brasileira de Pediatria recomenda que crianças de até 2 anos não tenham contato algum com telas, e que o tempo seja limitado a 1 hora por dia entre 2 e 5 anos, com aumento gradual conforme a idade, sempre sob supervisão dos pais.
Brincar é aprender: o valor das experiências reais

Rio de Janeiro (RJ) – Alunos jogam futebol durante intervalo no Ginásio Experimental Olímpico Reverendo Martin Luther King, no Rio de Janeiro. Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil

Para a psicóloga Angela Uchoa Branco, professora da Universidade de Brasília (UnB), brincar é uma das atividades mais importantes para o desenvolvimento humano.
“Brincadeiras livres, jogos de tabuleiro, contação de histórias e o simples ato de brincar com outras crianças estimulam a imaginação, o raciocínio e as habilidades sociais”, explica.
Ela recomenda que os pais reintroduzam hábitos simples, como ler histórias antes de dormir, oferecer livros físicos, e levar as crianças para brincar em parques e espaços abertos.
“Esses momentos criam vínculos afetivos e ajudam a desenvolver empatia, criatividade e autoconfiança.”
Leitura como antídoto ao mundo digital
A diretora da ONG Vaga Lume, Lia Jamra, que há 25 anos atua com educação nos nove estados da Amazônia Legal, destaca que o contato com os livros é uma forma poderosa de afastar o excesso de telas.
“Ler para as crianças amplia o repertório emocional e o olhar sobre o mundo. Além disso, fortalece o vínculo familiar e estimula o gosto pela imaginação e pelo sonho”, diz.
Lia acrescenta que as crianças da Amazônia têm uma infância mais ativa, com brincadeiras ao ar livre, mergulhos nos rios e contato direto com a natureza. “Essa vivência física e social é o que falta em muitas infâncias urbanas”, ressalta.
Sono: o tempo de crescer e aprender dormindo
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Excesso de telas pode prejudicar qualidade do sono das crianças . Foto: Joédson Alves/Agência Brasil |
“O sono é o momento em que o cérebro consolida os aprendizados do dia e libera hormônios como o do crescimento. Quando mal dorme, a criança perde em aprendizado, humor e saúde física”, explica.
Educar com afeto, sem violência
A professora Angela Uchoa reforça que, para além dos cuidados físicos, a educação emocional e o diálogo respeitoso são fundamentais.
“É preciso impor limites, mas com empatia e respeito. A punição física não educa, apenas gera medo. Respeito gera respeito. A criança precisa se sentir amada e valorizada”, defende.
Alimentação saudável desde o berço
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Frutas devem estar presente na alimentação desde o primeiro ano de vida. Foto: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil |
“Os primeiros dois anos de vida são decisivos. A introdução alimentar deve ser tranquila, com alimentos naturais e o leite materno como base”, explica.
Ela recomenda que as famílias evitem ultraprocessados e estimulem a autonomia da criança, permitindo que ela participe da escolha e do preparo dos alimentos.
“Levar a criança à feira, deixá-la lavar frutas e legumes, ajuda a criar uma relação positiva com a comida. O exemplo da família é a base da boa alimentação.”
Os especialistas são unânimes: uma infância saudável é feita de movimento, afeto, sono e alimentação equilibrada.
O desafio da era digital é resgatar o essencial — tempo de qualidade, brincadeiras simples e presença real.
Como resume a pediatra Renata Aniceto:
“A tecnologia é uma ferramenta, não um substituto do amor e da convivência. Criança saudável é criança que brinca, corre, lê, se suja e dorme bem.”
Fonte: Agência Brasil