Sem força política, governo usa STF como escudo ante Congresso conservador

 

Lula, Lira e Barroso no Palácio do Planalto: articulação entre os três Poderes Imagem: Pedro Ladeira/Folhapress

O STF (Supremo Tribunal Federal), última instância da Justiça, tem se tornado também o último recurso do governo Lula (PT) diante das derrotas sucessivas em pautas de costume contra a maioria conservadora do Congresso Nacional. Projetos de repercussão que apresentam divergências entre os dois campos, geralmente com derrota do Planalto, acabam em "terceiro turno" no Judiciário. Foi o caso do Marco Temporal no ano passado, da saidinha neste mês, e é para onde deve seguir a PEC das Drogas, caso seja aprovada no Congresso.

Em alguns casos, a gestão já conta com uma judicialização para barrar decisões conservadoras do Legislativo. Sem maioria, o Planalto entendeu que, embora tente articulações e vetos, suas chances de vitória no Congresso em pautas ideológicas têm minguado.

A estratégia e a reação bolsonarista

Essa estratégia alimenta discursos bolsonaristas. Líder da oposição na Câmara, o deputado Filipe Barros (PL-PR) classifica a situação como "judicialismo de coalizão". Parlamentares da direita consideram, sem provas, que há uma aliança entre Planalto e Supremo contra Jair Bolsonaro e seus aliados.

Terceiro turno no Judiciário

No caso do Marco Temporal, Lula vetou todas as menções à restrição das demarcações de terras indígenas até 1988. Um mês e meio depois, o Congresso derrubou os vetos e manteve a essência do projeto, ao qual o governo era contrário. A derrota já era esperada. Com documento orientado pela AGU (Advocacia-Geral da União), todos os argumentos foram fundados na inconstitucionalidade, acompanhando o entendimento anterior do STF. Partidos da base entraram com o pedido na Suprema Corte ainda em dezembro. O STF ainda não deliberou.

Neste ano, o veto ao projeto das saidinhas dos presos teve caminho semelhante. No anúncio, o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, ex-STF, deixou claro que a proibição de presos no regime semiaberto "atenta contra valores fundamentais da Constituição". Novamente, o Congresso derrubou o veto no fim de maio, e o resultado já era esperado pelo Planalto, apoiando-se no plano B de que, inconstitucional, a proibição cairá após avaliação da Suprema Corte. A OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) já entrou com pedido, que está nas mãos do ministro Edson Fachin.

A PEC das Drogas deve seguir esta trilha. Nesta semana, a base governista conseguiu atrasar a votação na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Câmara, mas já espera que vá a plenário e seja aprovada, mesmo com oposição da esquerda. O Planalto indicou que é contrário, mas não pretende entrar na briga. A avaliação do governo é que este é mais um desentendimento entre Congresso e Judiciário e, como em outros casos, a proposta, que criminaliza a posse e o porte de drogas ilícitas em qualquer quantidade, deve acabar — e cair — na Justiça.

Como lidar com Congresso conservador

Com minoria, o governo, que também é criticado por falhas na articulação, reconhece que não deve ter vitórias frente a um Congresso tão conservador. Articuladores têm argumentado que, diferentemente de pautas econômicas, estes casos não são resolvidos com conversa ou no toma-lá-dá-cá, especialmente em ano eleitoral, como 2024.

Preocupados, governistas lembram que a maioria dos parlamentares é de oposição e conservadora. Ministros palacianos dizem entender que casos assim são "perdidos" porque este parlamentar aliado responde a uma base eleitoral que tem resistência a algumas pautas do governo. Eles argumentam que, no limite, recorrer ao STF "não é estratégia, mas justiça". O ponto do governo é: a Suprema Corte existe como poder exatamente para balizar a Constituição. Se o parlamento ou o Executivo tentam achar uma brecha nela, nada mais justo que esta tentativa seja interrompida, com base legal.

Judicialismo de coalizão

A escolha também tenta evitar mais atrito com o parlamento. Para agentes da articulação governista, que tentam apaziguar as relações com as Casas, os vetos e posicionamentos de Lula, baseados na Constituição, não seriam "ideológicos" e sim "técnicos".

Líder da oposição na Câmara, Filipe Barros diz considerar antidemocrático o Judiciário se intrometer na relação dos poderes Legislativo e Executivo. O deputado, que é investigado no STF no inquérito das fake news, avalia que a tática do governo em usar o Supremo como terceiro turno só aumenta o descontentamento dos deputados e senadores. Para o parlamentar, a estratégia não interrompe o avanço da pauta da direita. Ele lembra que, na próxima semana, a Câmara dos Deputados deve votar a urgência de um projeto que limita a 22 semanas o prazo para aborto, mesmo em casos permitidos por lei, e equipara a interrupção da gravidez ao crime de homicídio. O projeto é mais uma queda de braço com o STF. Em maio, o ministro Alexandre de Moraes derrubou norma do CFM (Conselho Federal de Medicina) que proibia o aborto após a 22ª semana em gestações derivadas de estupro.

Fonte: UOL

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