Ministério Público de São Paulo confirma envolvimento da facção em esquema que movimenta mais de R$ 20 bilhões por ano no país
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| Criminosos que atuam no mercado paralelo de agrotóxicos costumam se dividir em diversos núcleos, explica promotorImagem: Reprodução/Unsplash |
O Ministério Público de São Paulo (MP-SP) confirmou que o Primeiro Comando da Capital (PCC) passou a atuar de forma estruturada no mercado ilegal de agrotóxicos, um setor clandestino que movimenta cerca de R$ 20,8 bilhões por ano no Brasil. A descoberta ocorreu durante uma operação contra agiotagem em Franca (SP), quando as investigações revelaram que membros da facção usavam a estrutura do tráfico e da lavagem de dinheiro para distribuir defensivos agrícolas falsificados em diferentes regiões do país.
Mensagens interceptadas pela investigação mostraram dois integrantes do PCC negociando agrotóxicos usados em lavouras de café, além de tratativas financeiras envolvendo o pagamento de R$ 40 mil “pelo veneno”. As conversas também apontaram um conflito interno: um dos compradores da carga roubada de defensivos teria dado um calote no grupo e foi colocado na chamada “lista negra” da facção, prática comum entre seus membros para punir quem descumpre acordos.
Durante a operação, o MP-SP apreendeu mais de 30 mil embalagens que seriam utilizadas na falsificação dos produtos — um dos maiores volumes já registrados em ações desse tipo no estado. Segundo os promotores, o envolvimento do PCC no setor demonstra a sofisticação e diversificação das fontes de renda da facção, que já atua no tráfico de drogas, roubo de cargas, lavagem de dinheiro e contrabando.
Esquema estruturado e de alto valor econômico
De acordo com o Instituto de Desenvolvimento Econômico e Social de Fronteira (Idesf), o mercado clandestino de agrotóxicos funciona por meio de quatro práticas principais:
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Roubo de cargas de produtos químicos legalizados;
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Falsificação de defensivos agrícolas por meio da mistura de produtos legais e ilegais;
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Contrabando de substâncias proibidas no Brasil;
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Desvio de finalidade, quando produtos permitidos são usados na fabricação de versões adulteradas.
As quadrilhas se dividem em núcleos com tarefas específicas — há grupos especializados na produção de embalagens falsas, na emissão de notas fiscais fraudulentas, e outros responsáveis pela adulteração química dos produtos. A estrutura é comparável à de grandes organizações empresariais, com setores de logística, finanças e distribuição.
Rota do crime: do Paraguai ao interior do Brasil
Grande parte dos agrotóxicos ilegais entra no país pela fronteira com o Paraguai, país que, desde 2019, liberou o uso do benzoato de emamectina, um princípio ativo altamente tóxico e proibido no Brasil. As quadrilhas chegam a pagar impostos ao governo paraguaio para legalizar o produto e reduzir os riscos de apreensão antes de cruzar a fronteira.
A principal rota utilizada é a BR-163, que liga o Mato Grosso do Sul ao Paraná. Entre 2018 e 2021, a Polícia Rodoviária Federal (PRF) apreendeu mais de 54 toneladas de produtos ilegais nesse trajeto. Outras rotas importantes são as BRs 116 e 262, que cortam o país de norte a sul.
Além do contrabando, o descarte irregular de embalagens agrícolas também alimenta o esquema. Segundo o promotor Adriano Mellega, do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado), muitas embalagens vazias não seguem para reciclagem e acabam sendo reutilizadas por falsificadores.
“Essas embalagens são recolhidas por intermediários e revendidas ao crime organizado, que as usa para dar aparência de legitimidade aos produtos falsos”, explicou Mellega.
Impactos econômicos e riscos à saúde
Os agrotóxicos falsificados não passam por qualquer tipo de controle sanitário e representam risco direto ao meio ambiente, à saúde dos trabalhadores rurais e ao consumidor final. Além disso, o comércio ilegal prejudica a economia formal, gerando concorrência desleal e evasão de impostos.
A CropLife Brasil, associação que reúne empresas do setor de biotecnologia e defensivos agrícolas, cobrou maior rigor na fiscalização.
“É fundamental que todas as autoridades envolvidas — Receita Federal, Polícia Rodoviária, Ibama e Vigilância Sanitária — atuem de forma coordenada. O mercado ilegal destrói a competitividade e ameaça a segurança alimentar”, afirmou a entidade em nota.
Expansão silenciosa do crime organizado
Especialistas alertam que a entrada do PCC nesse segmento evidencia uma nova etapa da criminalidade no Brasil, em que o tráfico de drogas se mistura a negócios de fachada e a operações de alto valor econômico. O uso de rotas logísticas, contatos internacionais e mecanismos de lavagem de dinheiro demonstra o avanço da facção sobre setores tradicionalmente dominados por redes de contrabandistas e falsificadores.
Para o promotor Adriano Mellega, o combate a esse tipo de crime precisa ser permanente e integrado.
“O PCC está diversificando suas atividades e buscando mercados de menor risco e alto lucro. O tráfico de agrotóxicos é um deles. Por isso, é essencial reforçar a inteligência policial e o controle nas fronteiras”, concluiu.
Assim, o caso expõe não apenas o poder de articulação do crime organizado, mas também as fragilidades da fiscalização e da legislação brasileira diante de um setor que movimenta bilhões e impacta diretamente a saúde pública e o agronegócio nacional.
Fonte: UOL


